21 abril 2010

No dia em que me suicidei

I

No dia que me suicidei chovia lá fora, estava um dia cinzento e gelado, assim como a minha alma já à muito se encontrava.
Nesse dia quando acordei de manhã senti um travo amargo na boca, um travo de derrota, todas as veias latejavam, os olhos ardiam-me como se o fogo me queimasse a vista, o peito apertava e eu quase que não conseguia inspirar o ar húmido do meu quarto.
Fiquei assim deitada horas a fio a tentar lutar contra a vontade imensa de largar tudo e desaparecer, mas essa vontade subsistiu. No entanto existiam várias burocracias que eu era incapaz de deixar de tratar antes de dar fim à minha vida.

Passadas aquelas horas de luta interior decidi que era hoje. Era hoje o dia em que me ia suicidar. Ainda não sabia como, não sou assim tão metódica ao ponto de planear tudo ao pormenor... até a minha própria morte. Não, mais tarde iria descobrir o modo, mas agora tinha outros assuntos a tratar.

Vesti o meu fato preferido, coloquei os únicos brincos do meu guarda-jóias, decidi pintar os lábios de vermelho, como nunca tinha feito, encharquei-me do meu perfume barato e que adoro e saí para a rua.

Quando saí as nuvens que outrora estavam cinzentas e carregadas afastaram-se como por magia e deram lugar aos raios de Sol de Primavera. Soube tão bem ver o Sol e sentir o seu calor uma última vez.... Enquanto passeava a pé pela rua sorria para todas as pessoas como se me estivesse a despedir de todos, mesmo daqueles que não conhecia, e verdade seja dita, nem iria conhecer. Passei numa padaria que exalava um odor delicioso a pão quentinho saído do forno e fui buscar um pão com manteiga. Foi sem dúvida o melhor pequeno almoço que tive até então. Será que era por ser o último? Nunca irei descobrir...

Continuo a andar pela rua e vejo um menino a pedir, provavelmente enviado pelos pais que só o fizeram para ter direito a dinheiro do estado, assim como os seus restantes 11 filhos foram feitos com a mesma intenção. Decidi pegar o menino pela mão e levá-lo a uma pastelaria e comprar lhe tudo o que ele quisesse. Tinha que o fazer feliz, afinal de contas era a última coisa que podia fazer por ele... Dei-lhe o que podia e continuei o meu caminho tendo recebido um enorme sorriso sem os dentinhos da frente em troca de bolos e doces.

Chego por fim ao primeiro destino do meu roteiro previamente programado. Sim, posso não ser metódica ao ponto de planear como me irei suicidar, mas há que ter algum método de como vou lidar com as tais burocracias presentes na minha vida.

Entro no prédio, agitado como sempre, ninguém sorri, ninguém sequer me nota. Sigo directa à sala dos meus patrões. Nunca tinha reparado que naquele prédio tudo se veste de preto e cinza e por azar eu vim destoar com o meu fato branco que tanto adoro e os meus lábios vermelhos pela primeira vez na vida. Quando os meus patrões me vêem iniciam um monólogo longo, demorado, chato e aborrecido, não há nada como pleonasmos para perceberem o quão cinzentões eles eram. Interrompo-os dizendo: "Só vim ao vosso encontro para avisar que não venho trabalhar hoje, nem venho trabalhar nunca mais. Despeço-me!". Viro costas toda senhora de mim e sem me conter olho de lado para eles enquanto caminho em direcção à saída e tenho a visão que à muito esperava. Os patrões sem saber o que dizer, de boquiaberta a olhar para mim. Invadiu-me instantaneamente uma sensação de alegria indescritível! Virei-me de novo para a frente e continuei a caminhar, mais segura que nunca seguindo então o meu caminho tão bem planeado. Destino dois, vamos lá.

2 comentários:

Unknown disse...

mto bom!! foste tu q escreveste?

...::Soul::... disse...

sim. quero escrever uma short story e este será o primeiro capítulo :)

muito obrigada por teres comentado :)